Ele abriu a porta e saiu com as malas. Tomei um último copo d’água e chamei o elevador. Entramos. Um de frente para o outro, como sempre fazemos. Ele sorria pra mim. Um sorriso arranjado, o que ele pôde arrumar pra disfarçar aqueles olhos que choram, mesmo sem lágrimas.
E eu muda. Como sempre. A despedida me rouba qualquer palavra da boca e do punho. É sempre assim. Fico muda. Por horas... às vezes por dias. Chamo de coma induzido. Algo em mim me arremessa para um lugar onde não sou alegre, nem sou triste, onde não "sou", apenas "estou".
O beijo sem jeito na fila do check in, é interrompido pela operadora que chama o próximo. Peguei a passagem e comecei a andar na única direção possível, sem sequer ter prestado atenção ao que ela disse. Olhei e não consegui ver no cartão de embarque o número do portão. A esta altura, meus olhos também estavam cegos. Enxergavam apenas as sombras de um lugar absorto, incólume, para onde o senso de sobrevivência me manda nos momentos de dizer adeus.
Ele vinha logo atrás. Pegou a passagem da minha mão e pediu informação para uma outra funcionária qualquer da companhia, e seguimos em frente, passos largos e urgentes rumo ao portão. Fugitivos da despedida, da ausência, do adeus, da saudade.
No trajeto ainda confirmei com ele umas três vezes o bendito número do portão, o mesmo que abria o buraco negro que nos sugava, nos levava pro meio do seu emaranhado de sensações que sem querer acabamos por mergulhar. Acho que minha mente se recusava a processar o fato de que tudo na vida é partida e chegada.
Apoiei o corpo dolorido numa pilastra... meus pés mal podiam sustentar o peso da minha imensa saudade. Olhei fundo nos olhos dele e aquele saguão era apenas um vazio feito de silêncio e escuridão, cruéis e cortantes como facas.
E como o silêncio é cruel. Ele encerra um desejo oculto, um apêlo, uma súplica de ouvidos ávidos por palavras doces e juras de amor eterno. Mas nestes momentos, mesmo entre nós, viciados declarados das palavras, onde nenhum tema torna-se obsoleto, também existem campos em que nenhuma palavra jamais pisou, e penso, que jamais será capaz de penetrar, porque ainda não inventaram nada que materialize a dor que sentimos quando precisamos nos separar.
Olhei nos olhos dele. Dei-lhe um último beijo. Respirei fundo e disse: "tchau, eu vou entrar." E ele, é claro, concordou de imediato, saiu dali num fôlego só, lamentando a distância e agradecendo meu desprendimento momentâneo.
E eu segui. Sem olhar pra trás. Sem choro. Sem vela. Com o passo firme e o coração gritando para si mesmo: "está tudo bem, tudo bem!"